
sábado, 10 de maio de 2025

domingo, 6 de abril de 2025
É preciso dar mais vida aos anos”, diz o gerontólogo Alexandre Kalache
Uma das maiores autoridades em envelhecimento do mundo, Alexandre Kalache explica como associar mais expectativa à qualidade de vida
Alexandre Kalache: para o médico, de nada adianta estender a vida se não houver qualidade (May Tse/South China Morning Post/Getty Images)
Não basta acrescentar mais anos à vida. É necessário acrescentar mais vida aos anos. Essa é a premissa para um envelhecimento saudável, segundo o médico gerontólogo Alexandre Kalache, de 79 anos, presidente do Centro Internacional da Longevidade (ILC-Brasil). O Brasil, apesar de ser um dos países em que a população envelhece mais rapidamente, ainda não está preparado para esse processo de longevidade acentuada, diz ele.
Basta ver o número de partidos políticos nas últimas eleições que citavam o envelhecimento nas suas plataformas. Foram poucos e, mesmo assim, de passagem”, diz o médico. Considerado um dos maiores estudiosos sobre o tema, Kalache foi diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), onde idealizou e conduziu diversos estudos e políticas públicas ligados ao tema do envelhecimento. A seguir, trechos da entrevista concedida com exclusividade à EXAME CEO.
O senhor costuma dizer que precisamos acrescentar mais vida aos anos, e não apenas mais anos à vida. Como isso deve funcionar, na prática?
Há uma obsessão pelo número de anos que as pessoas podem viver. Porém, não adianta estender a vida se ela não tiver qualidade. É preciso estender a vida com qualidade. Isso significa viver mais anos com saúde, dignidade, ciente de suas responsabilidades, propósito de vida, capital social e financeiro para as suas necessidades, e acumulando conhecimentos que possam ser deixados como legado às próximas gerações. O importante é viver bem com os anos que você tem. Quanto mais cedo você se prepara para o envelhecimento, melhor. Nunca é tarde demais para esse preparo, mas os ganhos serão sempre melhores para aqueles que começaram mais cedo.
A população brasileira envelhece rapidamente, em um processo que deve ser acelerado nos próximos anos. O país está preparado para isso?
Déficit: há pouco mais de 2.000 geriatras no Brasil, quando o ideal seriam mais de 30.000 (FG Trade/Getty Images)
Não. O Brasil é um dos três países que mais rapidamente envelhecerão nos próximos 25 anos. Em 2011, tínhamos 10% da população brasileira com mais de 60 anos. Em 2030, passaremos a 20% do total. A França levou 145 anos para um processo semelhante. Por sorte, os países ricos primeiro enriqueceram para depois envelhecer. Em 2050, mais de 30% da população brasileira será sexagenária, ou seja, cerca de 68 milhões de pessoas. E aí entra a questão da pobreza e da desigualdade, assim como a falta de acesso aos serviços de saúde. Estamos envelhecendo muito rapidamente e o país não está preparado. Basta ver o número de partidos políticos nas últimas eleições que citavam o envelhecimento nas suas plataformas. Foram poucos e, mesmo assim, de passagem, falando muito mais sobre emprego e estender a vida laboral do que estender uma vida com qualidade e oferecer dignidade às pessoas envelhecidas.
Há pouco mais de 2.000 geriatras credenciados, quando o ideal seriam mais de 30.000.
Hoje, Quais são os maiores desafios para quem envelhece no Brasil?
O principal deles é vencer o preconceito, o “idadismo”. A pandemia escancarou isso. Algo como “não vou comprar a vacina, gente velha só dá despesa, é um peso morto”. “O mundo é para os mais fortes.” E assim acumulamos mais de 700.000 mortes por covid-19 no país. O Brasil registrou 11% do total das mortes no mundo, enquanto a população brasileira representa apenas 3% da população mundial. Isso é um exemplo extremo do idadismo que prevalece em nossa sociedade, algo que deveremos fazer um esforço muito grande para vencer. Outros desafios são a desigualdade e a pobreza; a pobreza que começa no início da vida e se perpetua, assim como a falta de oportunidades.
Diante de tantos desafios, há também vantagens de envelhecer no Brasil, em comparação a outros lugares?
A sociedade brasileira tem uma coesão familiar e um capital social dentro da família que países desenvolvidos e já envelhecidos perderam. Temos o fator do clima que favorece a prática de atividades fora de casa, caminhadas, esportes. Mas, atenção, isso também está mudando. As ondas de calor são um fator de risco importante para a pessoa idosa. Somos um país de praia, mas também somos um país de enchentes. Em lugares com transtornos climáticos, as principais vítimas são as populações muito jovens e as idosas.
A vida é o direito mais fundamental, mas não é apenas uma questão de dar mais anos à vida. É necessário pensar em dar mais vida aos anos
Qual é o papel do poder público nesse processo de envelhecimento populacional? Como devem ser direcionadas as políticas públicas, em especial as relacionadas ao acesso à saúde, previdência e assistência social?
Eu sigo o Marco do Envelhecimento Ativo, promulgado pela Organização Mundial da Saúde em 2002. O que diz ele? Envelhecimento é priorizar e otimizar as oportunidades em quatro eixos fundamentais que podem aumentar a qualidade de vida à medida que envelhecemos. Em primeiro lugar, a saúde, o mais importante. O segundo eixo são os conhecimentos, as oportunidades para aprender sempre, da infância à velhice. A revolução da longevidade se dá em paralelo à revolução dos conhecimentos e da tecnologia. E quem não aprender novas habilidades vai ficar de fora. O terceiro pilar é a participação na sociedade. Isso pressupõe direitos de cidadania que, quando negados, reduzem a qualidade de vida. O último pilar é proteção e segurança. O horror do envelhecimento sempre foi e sempre será a pessoa se sentir desprotegida. E aqui não basta apelar para a família. É preciso que o Estado ofereça segurança e proteção ao idoso.
Apesar da demanda crescente, o Brasil possui poucos médicos geriatras, assim como cuidadores de idosos especializados. Como superar essa falta de profissionais?
Existe um déficit de 28.000 geriatras no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Há pouco mais de 2.000 geriatras credenciados, quando o ideal seriam mais de 30.000. Ao mesmo tempo, apenas 10% das escolas médicas no Brasil possuem uma disciplina de geriatria. Mas vamos supor que haja um mutirão para formar 5.000 geriatras nos próximos dez anos. O problema é que o déficit terá aumentado para 37.000, por causa do envelhecimento da população. Ou seja, é enxugar gelo.
O que fazer, então?
Precisamos, sim, ter mais geriatras. Mas precisamos, sobretudo, que todos os profissionais da saúde aprendam mais sobre envelhecimento. O desenvolvimento das doenças, a farmacologia, a anatomia humana, tudo isso muda com a idade. Só que os profissionais não estão aprendendo o suficiente sobre envelhecimento. Por volta de 2040, a população do Brasil vai parar de crescer. O único segmento que continuará a crescer é o de pessoas com mais de 60 anos. Do total de residentes em medicina, cerca de 12% hoje escolhem obstetrícia e ginecologia. Não sei o porquê, já que estão nascendo menos crianças. Outros 11% escolhem a pediatria. Também não entendo, pois terão menos crianças para cuidar. E apenas 0,5% escolhem geriatria. A conta não fecha. Não estão percebendo que estamos no século da longevidade e a única forma de encontrar soluções duradouras é aprender cada vez mais sobre envelhecimento.
No Brasil, 4 milhões de pessoas idosas vivem sós. A solidão dói e pode ter um caráter perverso.
Outra questão é a solidão dos mais velhos. Como lidar com esse enorme desafio, já que parte considerável dessa faixa etária vive sozinha e, muitas vezes, distante da família?
A pandemia deflagrou e escancarou esse problema imenso em nível global. Na epidemia de covid-19 nos deparamos também com a pandemia da solidão. No Brasil, 4 milhões de pessoas idosas vivem sós. A solidão dói e pode ter um caráter perverso. E aqui não estamos falando da solitude. A solitude é um momento de introspecção que você escolhe, de reflexão. Mas a solidão, não. Ela não é uma escolha, e sim um contexto. Num país de dimensões continentais como o nosso, a solidão pode ser agravada pelo distanciamento. São necessárias políticas públicas efetivas para a criação de centros sociais e de convivência.
Como lidar com a questão econômica de forma a atender satisfatoriamente a população que envelhece?
Há muitas iniciativas que podem gerar empregos e oportunidades econômicas. Creio que políticas públicas, em todos os níveis, devem ser desenvolvidas com muito cuidado para não deixar ninguém para trás. Não vejo isso acontecendo. Há outro aspecto, sobretudo no setor privado, de oferecer oportunidades de trabalho digno para pessoas com mais de 60 anos. Em um país que envelhece tão rapidamente, é uma forma de fazer com que a economia possa ser ampliada e que essas pessoas sejam capazes de continuar produtivas e competitivas.
Apesar de todos os desafios inerentes à velhice, o senhor diz que a melhor coisa que pode nos acontecer é envelhecer. É isso mesmo?
Sim. Envelhecer é bom, morrer cedo é o que não presta. A vida é o direito mais fundamental, mas não é apenas uma questão de dar mais anos à vida. É necessário pensar em dar mais vida aos anos. E fazer com que esses anos a mais sejam com qualidade. Para isso, é necessário pensar de uma forma holística, humanística e com empatia, lembrando sempre aos mais jovens: você almeja envelhecer. Creio que ninguém tem preferência por morrer precocemente. Mas lute para que o país em que você vai envelhecer lhe dê oportunidades. O melhor que pode acontecer aos jovens é envelhecer em um país que lhes garanta dignidade.
sábado, 15 de março de 2025

O segredo eterno da sopa de canederli
É o tesouro dos sabores caseiros. O esconderijo dos arrebatamentos. O testamento de risos e suspiros. Nem precisa ser um livro, pode ser um caderninho escolar, com as folhas manchadas de farinha e ovos, com a caligrafia às pressas, onde você anota a quantidade dos ingredientes e a forma de preparo dos pratos que deram certo no convívio.
São fórmulas secretas cobiçadas ardentemente pelos filhos e netos. Você faz chantagem com elas pelo resto da vida. Você promete revelá-las quando julgar que a pessoa merece ou está pronta para assumir a alquimia. Você possui uma carta na manga para seguir vivo na posteridade.
Quem tem livro de receitas não entrega seus truques facilmente. Não sai repartindo os detalhes decisivos do manjar, o diferencial dos banquetes, os temperos improváveis empregados.
É alguém que acalenta a privacidade de sua cozinha, e gera suspense com seus achados. Um abnegado do fogão, um sacerdote dos molhos, com o sigilo sacramental da confissão inviolável.
Não é fofoqueiro de sua magia, dedicando a sua história a preservar os seus alfarrábios e se mostrar presença obrigatória nos almoços e jantares comemorativos. Contar com uma especialidade incomparável nas panelas é garantia da frequência nos álbuns de fotografias. Você jamais ficará de fora das grandes festas, jamais será penetra.
Os dotes culinários se transformam em pré-requisito para ser benquisto pela família e sempre convidado, já que só você sabe o ponto daquela musse de chocolate com furinhos exatos, daquela paella de ferver o mar, daquela galinhada que dá água na boca.
Não passar adiante é se proteger dos concorrentes e da possibilidade de um dia ser dispensado. Muitos casamentos permaneceram de pé somente pela obra gastronômica sagrada. O que eu aprendi tardiamente é que não basta receber a receita. É necessário praticar com o dono dela.
Minha avó expôs, no fim da sua existência, no leito de morte, o rascunho da sua sopa de canederli.
Caldo:
Frango (peito, pescoço, miúdos)
Sal a gosto
1 cebola picada
2 dentes de alho picado
Tempero verde a gosto
1 cenoura inteira
Canederli:
6 xícaras de chá de pão francês "dormido" ralado
250 mg de salame colonial picado bem fino
100 g de queijo colonial picado bem fino
100 g de queijo parmesão ralado
6 ovos batidos
Tempero verde a gosto
Sal a gosto
Farinha para dar liga (em torno de 5 colheres de sopa), a depender da umidade do pão. Pensávamos que manteríamos o hábito da famosa sopa de bolas no inverno. Ninguém de casa, geração por geração, conseguiu repetir. Todos fracassaram, inclusive eu.
Se pudéssemos ressuscitar a nona, perguntaríamos de cara, antes de expressar a nossa incurável saudade: onde erramos?
É que não adianta apenas herdar o escrito, é fundamental pagar o preço do treinamento. Existe algo feito de olho que não vai para o papel. _
CARPINEJAR

Que desalento é este que está intoxicando jovens que deveriam estar em seu auge?
Não que tivéssemos muitas certezas na idade deles, mas a gente ia em frente com dúvida e tudo, o pulso latejava.
Não havia zumbis atrás de telas, buscávamos excitação de verdade.
Espero estar enganada, mas meu senso de observação, aliado a algumas matérias que andei lendo, têm me induzido a pensar que pessoas maduras, também conhecidas como velhas, continuam empolgadas com a vida, fazendo planos para o futuro e transando bem, obrigada, enquanto os jovens, que eram os que detinham o monopólio da vitalidade, estão entediados, apáticos, achando graça em nada. Alguém aí confirma?
Outro dia, estava conversando com amigos da minha faixa etária, todos entrados nos 60 e com filhos na casa dos 30, e a impressão deles era a mesma. A nova geração tem passado os dias com cara de paisagem. Eles trabalham desesperançados, não se apaixonam perdidamente e seus entusiasmos mal duram um fim de semana, logo esfriam.
Não que tivéssemos muitas certezas na idade deles, mas a gente ia em frente com dúvida e tudo, o pulso latejava. Um dia de sol na praia era um acontecimento. Um beijo roubado nos deixava insones. Abraçávamos nossas causas com inocência e ardor, nunca com ódio. Vibrávamos numa frequência positiva. Sorriso não era uma raridade em nosso rosto e não falávamos por monossílabos: palestrávamos em mesa de bar. Melancolia?
De vez em quando, sucumbíamos a ela, claro. Éramos poetas, alguns trágicos, cortesia da arte e de suas consequências na alma, mas tudo era visto como privilégio da existência. Não havia zumbis atrás de telas, buscávamos excitação de verdade.
Que desalento é este que está intoxicando garotos e garotas que deveriam estar em seu auge? São pouco afirmativos e não lutam por seus sonhos – nem mesmo sonham. Falta propósito. E o fracasso apavora. Contentam-se em ser uma eterna promessa e não estão entendendo que o tempo irá cobrar caro, um dia, pela postura blasé do “tanto faz”.
O excesso é cúmplice do vazio, uma dupla bandida. Excesso de informações, poucos empregos. Excesso de bocas, pouca intimidade. Os cardápios são fartos de “felicidade”: quanto mais é oferecido, mais confusos eles ficam, que caminho seguir? Nós também tivemos que fazer escolhas e as renúncias faziam parte do jogo, não paralisavam ninguém. Agora o rolê tonteia.
Escolher só uma alternativa entre um milhão? Não conseguem. Nada se destaca, nada é especial. A banalidade dá o tom da conversa, que leva ao fastio, claro. Um minuto de atenção (se tanto) e já se trocou de desejo.
sexta-feira, 24 de janeiro de 2025
Condomínio é parecido com empresa, e gestão pode ser aprimorada com o e-Social

24 de Janeiro de 2025
CARPINEJAR
Nosso primeiro Oscar
Brasil vencerá seu primeiro Oscar na mais badalada festa do cinema mundial. Ocorrerá na 97ª cerimônia de entrega dos Academy Awards, no dia 2 de março, num domingo, a partir das 21h.
Por que eu afirmo isso? Não é profecia. Nem sou íntimo de nenhum jurado da Academia. O empurrão que lhe faltava era a nominação do filme em que ela atua para a principal categoria, a primeira vez que acontece a uma obra brasileira na história.
Não ganharia de Demi sem a categoria de Melhor Filme. Fernanda Torres deve justiçar a sua mãe, Fernanda Montenegro, que também concorreu ao Oscar há 26 anos por Central do Brasil.
Em Ainda Estou Aqui, baseado no emocionante livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, publicado em 2015, Torres interpreta Eunice Paiva, mãe do escritor, a qual enfrenta a violência do regime militar depois da prisão do deputado cassado Rubens Paiva (Selton Mello), em 20 de janeiro de 1971.
Curiosamente, o documento que atestou a entrada de Rubens Paiva na prisão foi localizado em Porto Alegre, durante a investigação do assassinato do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molina Dias, 78, morto com 15 tiros em 1º de novembro de 2012, quando chegava em casa.
No registro encontrado, há indicação do ingresso de Rubens Paiva no QG-3, no Rio de Janeiro, e dos documentos e pertences pessoais que ele portava no momento da prisão. Na margem dele, consta a assinatura de Rubens Paiva.
DOCUMENTOS PESSOAIS:
Dois cartões de Piloto Privado.
Uma carteira nacional de habilitação.
de Engenharia e Arquitetura.
PERTENCES PESSOAIS:
Quatro cadernos de anotações.
Uma fita de gravador.
Uma gravata.
Um paletó.
O que mais impacta é o engenheiro paulista ter levado 14 livros para ler na prisão. Ninguém que acreditasse que iria morrer levaria essa biblioteca. Ele se despediu da família com a esperança de sobreviver.
Jamais imaginaríamos que uma tragédia tão brasileira, tão latino-americana, fosse invadir Hollywood. Invadir não, entrar pela porta da frente, devidamente convidada.