segunda-feira, 31 de dezembro de 2018


31 DE DEZEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

O ano em que a social-democracia foi à lona


Lá adiante, vivendo no saudável distanciamento histórico, que fica no lugar de onde se vê o que já não existe mais, lá adiante, as pessoas talvez olhem para 2018 como o ano em que a social-democracia sofreu o definitivo gancho no bico do queixo. Você sabe: é aquele murro que faz o cérebro bater contra as paredes da caixa craniana e leva o lutador a nocaute. Quer fazê-lo sentir dor, atinja-o rim. Quer fazê-lo dormir, bico do queixo. No começo da década, a social-democracia começou a receber golpes nas ilhargas, enfraqueceu-se, abriu a guarda e, em 2018, foi à lona.

Você pode achar abstrato falar em "social-democracia". Pode achar que essa discussão não faz parte do seu dia. Ao contrário. A social-democracia, depois da II Guerra Mundial, passou a ser identificada como o sistema político-administrativo ideal em quase todo o Ocidente. O bom sucesso da Alemanha foi o maior responsável por esse conceito. O grande campeão da social-democracia, Willy Brandt, chegou a ganhar o Nobel da Paz, e, antes dele, Konrad Adenauer não se dizia social-democrata, mas, em sua atuação, é claro que era.

Assim, a Europa inteira foi se tornando social-democrata, às vezes mais à esquerda, às vezes mais à direita. O Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, a Coreia do Sul, o Japão também aderiram a tipos flexíveis de social-democracia. Nos Estados Unidos, a social-democracia de Roosevelt foi festejada como a redentora do país depois da crise dos anos 1930. Houve interregnos reformistas, como nos períodos de Reagan e da sua mentora britânica, Margaret Thatcher, mas, em geral, os governantes de maior prestígio nos dois lados do Atlântico, Clinton, Obama, Tony Blair, eram sociais-democratas.

No Brasil, o pensamento social-democrata foi absoluto. O lema do governo Sarney era "tudo pelo social". O PT não é comunista coisa nenhuma; é social-democrata. E o PSDB leva a social-democracia no nome. Se você examinar detidamente as ideias dos políticos brasileiros, constatará que quase todos são sociais-democratas, dos mais à esquerda aos mais à direita. Alguns não têm ideia nenhuma, é verdade, mas, se você perguntar no que eles acreditam, eles apontarão para a ideia social-democrata do vizinho.

Em 2018, a lógica da social-democracia foi fraturada. Mas que lógica é essa, afinal? Em uma frase: é a de que os ideais de liberdade e igualdade sejam garantidos dentro de uma economia de mercado bem regulada pelo Estado.

As pessoas não acreditam mais nisso. De cinco anos para cá, elas têm explodido em revoltas ocasionais contra pedaços dessas convicções. Em geral, elas nem sabem com exatidão por que estão se rebelando, como nos recentes protestos dos coletes amarelos na França ou nas marchas de 2013 no Brasil, mas o fato é que elas estão insatisfeitas. Donde, o sucesso de Bolsonaro, de Trump, do Brexit et caterva.

Em toda parte, no Ocidente, as pessoas estão gritando que, com a social-democracia, o Estado adquire muita fluidez e muita abrangência, enquanto perde sua força de controle das relações sociais. Na América Latina, a situação é mais grave: o Estado parece existir apenas para continuar existindo. Ele se retroalimenta. Deveria ser uma entidade criada pela sociedade para servi-la, mas é ele que se serve dela. A sociedade se sacrifica para manter vivo um Estado cada dia mais faminto, cada dia mais exigente.

A social-democracia foi ao chão em 2018. Está vencida e desacordada. Ainda poderá se levantar. Mas terá de mudar.

DAVID COIMBRA

31 DE DEZEMBRO DE 2018
RBS BRASÍLIA

Jair e a posse dos sonhos


Forjado no antipetismo e embalado pelo discurso da segurança, Jair Bolsonaro tem tudo para viver a cerimônia de posse que sempre sonhou. Diante da expectativa de um público recorde na Esplanada, ele mesmo tratou de animar ainda mais seus apoiadores: guardou para as vésperas do evento o anúncio da publicação de um decreto para facilitar a posse de armas. É uma bandeira simples de campanha, que atinge em especial uma demanda do homem do campo. Isso não quer dizer que as pessoas poderão andar armadas por aí, mas que será mais fácil ter um revólver dentro de casa. 

A medida aquece os negócios da indústria de armas e empolga o eleitor clássico de Bolsonaro, mas é uma ilusão. O problema da segurança no Brasil não passa pela flexibilização do Estatuto do Desarmamento. O futuro ministro da Justiça Sergio Moro sabe disso, mas apoiou o anúncio do futuro presidente. Sabe que é importante que o chefe assuma com medidas que inflamem a alta popularidade. Outras ações do mesmo quilate já estão no forno para os primeiros dias de governo.

PRESENTÃO

Petistas passaram o final de semana nas redes sociais, justificando a decisão nada democrática de não participar da posse do presidente da República eleito, colocando lenha na fogueira da polarização. Mas quem ganha é Bolsonaro, que recebe de presente mais um motivo para legitimar o discurso do "nós contra eles".

CONDIÇÃO

José Fogaça (MDB) optou por não assumir automaticamente a vaga de suplente de Osmar Terra, que será ministro da Cidadania. Como a Câmara está em recesso, ele avisa que só assumirá se houver convocação extraordinária ou for chamado para comissão representativa. O cargo poderá ficar vago por 30 dias, uma economia de R$ 33,7 mil.

NO HORIZONTE

O Estado deve receber nos próximos quatro anos pelo menos R$ 300 milhões para investimentos em aeroportos. A principal obra deve ser a construção de um novo terminal em Caxias do Sul. O aeroporto vai funcionar no distrito de Vila Oliva. Segundo o diretor de investimentos da secretaria de Aviação Civil, o gaúcho Eduardo Bernardi, os recursos estão garantidos.

Feliz Ano-Novo!

Colaborou Silvana Pires - CAROLINA BAHIA

31 DE DEZEMBRO DE 2018
ARTIGOS

ROMPER COM O QUE DIVERGE, BUSCAR O QUE CONVERGE


O 2019 que se inicia deve ser o ano desenhado a partir dos obstáculos acumulados em 2018. O Estado se debate na maior crise de sua história. Há desafios decisivos em todas as áreas. Conhecemos as dificuldades e procuramos montar uma equipe de alta eficiência, tanto tecnicamente quanto politicamente. Estamos preparados para enfrentar os desafios.

O 2019, no entanto, pode ser o ano em que o Rio Grande exorcizará a sina de território simbólico rachado, em que as rivalidades se tornam irreconciliáveis e o irracional prepondera sobre a razão simplesmente porque a solução não foi proposta por si, mas pelo outro.

Como governador, mais do que desejo, é meu dever propor o rompimento dessa cultura que muito já nos tirou e, ao fim, nos levou à situação em que nos encontramos hoje.

Afirmo meu compromisso de lutar no Rio Grande do Sul por duas causas: uma, imediata, a saída da crise e a retomada do crescimento econômico; outra, estratégica, de deflagrar o processo de um Estado de vanguarda, inovador e receptivo a quem quiser empreender e provedor de serviços de excelência em saúde, educação, segurança.

Tenho trabalhado intensamente desde as eleições para promover a conciliação junto a aliados e adversários, por convicção de que, separados, não chegaremos a lugar algum, e a certeza de que as receitas anteriores não mais nos servem.

A finalidade é dizer não ao que diverge; buscar à exaustão o que converge e romper com o arquétipo positivista que conduziu a política rio-grandense desde o final do século 19: adversário é inimigo, opostos não se atraem. Reconstruir as bases do Estado a partir do que nos une e não do que nos separa é o desafio que aceitei.

Cabe destacar que o propósito não é, em si, unir, mas unir em torno do propósito. E esse 2019 que se inicia tem a chance de passar para a história como o ano em que o gaúcho quebrou de vez a polarização, o atraso, e finalmente se uniu em torno de uma proposta sublime: resgatar de fato a grandeza que a sua querência carrega no nome e fazer desse efetivamente um lugar que sirva de modelo, próspero, seguro, amigável e, por isso, cada vez melhor de empreender e viver.

Para 2019 cumprir esses propósitos depende apenas de nós. De todos nós.

EDUARDO LEITE

31 DE DEZEMBRO DE 2018
INDICADORES

De pedra a vidraça

Como no ditado popular: ser pedra ao invés de vidraça, para muitos, talvez para a grande maioria das pessoas, é muito mais fácil. Não é raro encontrarmos nas rodas de conversas aqueles que são capazes de julgar tudo e todos, mas incapazes de olhar para dentro e pensar no que poderiam fazer para ser melhores como cidadãos ou, efetivamente, ser agentes do bem nos seus núcleos e perante a sociedade!

Infelizmente, tornamo-nos hábeis em apontar o dedo e fazer acusações, sem conhecer todos os fatos. Cometemos injustiças impulsionados pela abundante informação e muitas vezes pelas comuns fake news. Bastam alguns cliques nos nossos smartphones que nos sentimos os "espertos", com o perdão do trocadilho, capazes de executar sentenças contra atitudes ou pessoas sem sequer checar as fontes. E isto vale para todos os aspectos da vida. Trata-se da máxima de que ser oposição é muito mais simples do que ser governo ou "mais fácil criticar do que fazer"!

Mas temos que inverter esta lógica nefasta para construir uma país melhor! Precisaremos agir de forma ativa, saindo da passividade crítica e passando para a proatividade com resultado. Para isso, temos um novo impulso com o governo federal. Parece que, finalmente, há ventos de mudanças e este fato já nos motiva a aderir a outros projetos. Aliás, novo governo que de pedra passa a ser vidraça e já vem sofrendo com estilhaços de atitudes pretéritas de seus atuais aliados.

Não é fácil, em nenhum sentido. Simples é falar, mas difícil é levar uma vida "à prova de bala", capaz de afastar qualquer acusação, ainda mais em posições públicas. Assim, para 2019, desejo que possamos olhar profundamente para dentro, para aquilo que podemos evoluir como pessoa, pois só assim melhoraremos a situação ao nosso redor. Deixemos as pedras de lado e busquemos tijolos e argamassa para construir um Brasil melhor, para que, no final do próximo ano, estejamos muito mais esperançosos do que estamos hoje. Enfim, que venha o ano novo e que possamos ser suficientemente fortes para transformar ao invés de apedrejar.

Feliz 2019!

Michel Gralha escreve às segundas-feiras, mensalmente - MICHEL GRALHA

31 DE DEZEMBRO DE 2018
ROSANE TREMEA

Ano-Novo, ainda Natal


Se fosse possível, viveria sempre numa manhã de Natal. Numa manhã de Natal, com uns cinco ou seis anos, comi o pé do Menino Jesus. Como eu poderia imaginar que não era um doce de açúcar, um marzipã, aquela figura do nosso presépio de gesso? Noutra manhã de Natal, com uns cinco ou seis anos, escondi um dos Reis Magos para proteger um gato que decepou-lhe a cabeça ao invadir a sagrada área sob a árvore. 

Por décadas, as duas figuras continuariam no nosso presépio assim, meio prejudicadas: o pequeno Jesus com aquela cicatriz amarelada marcando para sempre a travessura infantil; o Rei Baltasar seguiria seus dias com um colar de cola branca no pescoço negro.

Numa manhã de Natal, uma menininha de uns sete ou oito anos me perguntou, daquele jeito à queima-roupa, se eu ainda acreditava em Papai Noel. E eu, sem titubear, respondi que sim. Ela suspirou aliviada. Ainda bem que acreditava, pois descobrira que a avó tinha dúvidas. E eu suspirei aliviada também: poderia ter sido pior se a menina fosse americana e tivesse ligado para o presidente Trump ao invés de interpelar a avó - a incerteza teria virado desilusão ali mesmo, ao pé da árvore.

Numa manhã de Natal, uma menina de quatro anos, sem dúvidas sobre a existência de Papai Noel, encantada com os presentes que ele lhe havia deixado depois de entrar diligentemente pela lareira, deu-se conta de que só havia pacotes para ela. Pois então ninguém mais naquela sala havia se comportado? Só ela? Todos, flagrados e desmascarados, riram um riso amarelo.

Numa manhã de Natal, sem ter com quem deixar o filho, a mãe carregou o menino de cinco anos para o trabalho. Parecia não haver fantasia ou magia na cena. A criança abandonada pelo pai com meses de idade mal falava. A mãe falou pelas duas. Falou das marcas, nem todas visíveis, de uma vida de sacrifício e abnegação. Do trabalho duro para que, numa manhã de Natal, o menino franzino portasse orgulhoso as sandalinhas tinindo de novas. Não havia magia, mas o amor transbordava daquela fala.

Numa manhã de Natal, outra menina de cinco anos, feliz não pelos presentes, que esses ela tinha bastante, mas pela atenção exclusiva de todos os adultos à volta, que brincavam e riam e se divertiam com ela, suspirou uma frase: "Meu coração está cheio de gente". Um jeito de dizer que se sentia feliz e amada.

E eu pensei que seria bom viver sempre uma manhã de Natal todos os dias do novo ano. Com o coração cheio de gente.

ROSANE TREMEA


31 DE DEZEMBRO DE 2018
CARPINEJAR

Tubo de mostarda e ketchup

Grande parte das discussões de casal é resultado da pura antipatia para comparecer na casa dos pais da esposa. As brigas têm o seu ápice no Natal e Ano-Novo, quando os parentes são passagem obrigatória.

É um diz que diz infernal. O pior tipo é aquele que aceita passar a data comemorativa com a família do outro, mas coloca defeito durante os dias que antecedem o encontro. Quer transmitir a imagem de aliado da boca para fora, já que aceitou o convite, mas, na verdade, deseja um golpe de Estado e derrubar a alternativa. Instaura uma conspiração pelo WhatsApp com fake news.

Começa com o interrogatório gratuito, esperando localizar um impedimento: quem vai estar lá, o que terá de comida, onde será feita a confraternização, e se chover, e se aparecer o tio bêbado?

São vésperas catando tragédia, arrumando sarna para se coçar, montando o cenário mais escabroso e inverossímil. Com as respostas sempre otimistas de sua companhia, ele não desiste de seu projeto maquiavélico.

Tenta puxar para o lado do romance: "Seria tão bom se tivéssemos um momento nosso, se ficássemos a sós, namorando". Não surtindo efeito, distribui culpa com as imagens da mãe velha e do pai velho, alegando que talvez seja a última ceia deles, o último réveillon deles.

Não alcançando o cancelamento, investe pesado na avareza: "Não tenho dinheiro para comprar presente para todo mundo". E traz à tona implicâncias antigas com o sogro e com a sogra, com os irmãos, com as mulheres dos irmãos, com os sobrinhos emprestados. É uma fofocalhada de que nenhuma terapia de uma hora dará conta.

Pelo simples motivo de não desejar ir, destrói as bases familiares de seu amor, de onde ele saiu, para o bem ou para o mal. Não vê que fragiliza quem gosta, fortalecendo ressentimentos e renovando mágoas. É um antiesportista, disposto a destruir as raízes de alguém especial para não ter mais ninguém pela frente em seu caminho. É como um tubo de mostarda e de ketchup no fim: só espirra, só faz barulho, não tempera mais nenhuma conversa.

No fim, isolado em sua maldade, ele vai contrariado para a reunião e se diverte mais do que a esposa, que não consegue relaxar um minuto após tamanho terrorismo e desconfiança.

CARPINEJAR

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018


24 DE DEZEMBRO DE 2018
ARTIGO

FELIZ NATAL


Os dados da desigualdade no Brasil sãode arrepiar. Escolha qualquer indicador,mulheres e negros estão sempre abaixode homens e brancos. No país, a renda do 1% maisrico é igual à dos 99% restantes. E ricos ficam cada vez mais ricos e pobres mais pobres.

No mundo, há 62 indivíduos com renda somada de US$ 1,7 trilhão, igual ao que ganham os 50% mais pobres do planeta. Mas nós, brasileiros, somos campeões mundiais em desigualdade.

O pior é que a maioria dos pobres no Brasil vive na periferia das cidades. Sonha com melhor emprego, transporte, segurança, saúde e educação. Mas sofre as mazelas do dia a dia. Quem mora na Restinga gasta três horas para ir e voltar do trabalho.

Não bastasse o problema da renda baixa, vida difícil ou escola ruim, a desigualdade de nosso pobre é também territorial. Pois na periferia tudo é mais precário. Tente enfartar numa vila de Porto Alegre.

Aproveitando o espírito natalino, sugiro uma reflexão sobre a vida de nosso semelhante. Tudo está difícil. A desigualdade passou dos limites. Transcende às capacidades individuais. Os mais pobres competem sempre em condições desiguais.

É claro que só sairemos do buraco se enfrentarmos a crise da Previdência, as distorções nas relações de trabalho e se tornarmos a economia mais competitiva.

Mas, sem políticas que promovam melhor distribuição de renda e serviços públicos de melhor qualidade, o Brasil nunca avançará. É preciso cuidar dos mais vulneráveis.

E isso exige patriotismo. Olhar menos para o próprio umbigo. Aceitar perder privilégios. É a única forma através da qual filhos de quaisquer brasileiros, sobretudo os mais pobres, poderão se tornar, um dia, profissionais mais competitivos.

O Brasil está ruim até para os ricos. Muitos mantêm seus negócios aqui, mas a família já foi embora, para fugir da violência. Imagine a vida de quem não tem alternativa a não ser ficar.

O melhor presente de Natal para nós, brasileiros, seria que o novo governo tentasse de fato reduzir desigualdades. Promovesse mudanças que um dia trouxessem igualdade de oportunidade para todos. Mas isto é pedir demais ao Papai Noel. 

Médico e professor gilberto.ez@terra.com.br - GILBERTO SCHWARTSMANN


24 DE DEZEMBRO DE 2018
OPINIÃO DA RBS

O PAPEL DE CADA UM

Quando se aproxima a possedo novo presidente edos governadores, renovam-se as esperanças deum futuro mais digno eluminoso para o país. Esse é um dosméritos da alternância de poder, pilarfundamental de uma democraciasaudável. Apesar da solidificação das instituiçõesnas últimas décadas, a cultura políticabrasileira ainda enfrenta desafios. Dois deles, que merecem reflexão nesta hora, são o personalismo e o paternalismo, primos próximos que, quase sempre, se apresentam de mãos dadas.

O voto é apenas uma parte do que se convencionou chamar de cidadania. Escolher um presidente e um governador é delegar poder, mas não significa terceirizar ética, participação e esperança. Presidente e governador nada fazem sozinhos, embora muitas vezes, nas campanhas, se esforcem para convencer os eleitores do contrário. Cada um de nós tem papel de protagonismo, pelo exemplo e pela voz, na construção desse país mais seguro, justo e desenvolvido, clamor revelado pela apuração de 105 milhões de votos para presidente e de 5,8 milhões de votos para governador no Rio Grande do Sul. Exemplos recentes comprovam que, quando a sociedade e os cidadãos se omitem, os eleitos se julgam donos do poder. Nos últimos anos, apesar dos sobressaltos, conseguimos avançar no caminho da democracia.

Se é absolutamente imprescindível o papel das instituições, tão ou mais importante é a participação dos indivíduos

Quando se aproxima a posse do novo presidente e dos governadores, renovam-se as esperanças de um futuro mais digno e luminoso para o país. Esse é um dos méritos da alternância de poder, pilar fundamental de uma democracia saudável.

Apesar da solidificação das instituições nas últimas décadas, a cultura política brasileira ainda enfrenta desafios. Dois deles, que merecem reflexão nesta hora, são o personalismo e o paternalismo, primos próximos que, quase sempre, se apresentam de mãos dadas.

O voto é apenas uma parte do que se convencionou chamar de cidadania. Escolher um presidente e um governador é delegar poder, mas não significa terceirizar ética, participação e esperança.

Presidente e governador nada fazem sozinhos, embora muitas vezes, nas campanhas, se esforcem para convencer os eleitores do contrário. Cada um de nós tem papel de protagonismo, pelo exemplo e pela voz, na construção desse país mais seguro, justo e desenvolvido, clamor revelado pela apuração de 105 milhões de votos para presidente e de 5,8 milhões de votos para governador no Rio Grande do Sul.

Exemplos recentes comprovam que, quando a sociedade e os cidadãos se omitem, os eleitos se julgam donos do poder. Nos últimos anos, apesar dos sobressaltos, conseguimos avançar no caminho da democracia.

Se é absolutamente imprescindível o papel das instituições, tão ou mais importante é a participação dos indivíduos. Do respeito à fila à cordialidade entre vizinhos, a verdadeira Justiça também se constrói fora dos tribunais, nas relações individuais e tantas vezes invisíveis. O que chega ao Judiciário, na maioria dos casos, é a presunção de injustiça clamando por reparação.

Jair Bolsonaro e Eduardo Leite se elegeram com sólidas maiorias, mas não de forma unânime. Assim como têm o dever de governar para todos, o país e o Estado se beneficiariam se todos trabalhassem para ver o Brasil e o Rio Grande darem certo. Isso não significa abrir mão das diferenças. Reconhecer as semelhanças e trabalhar por convergências é a única forma de dar legitimidade aos pontos realmente fundamentais do embate de práticas e de ideias.

Nesta época do ano, quando se reacendem a esperança e a fé, importante lembrar que liderar não é fazer sozinho. É inspirar, ajudar, construir, dar o exemplo e motivar. Vale para o presidente, para governador e, principalmente, para cada um de nós.


24 DE DEZEMBRO DE 2018

CARPINEJAR


A árvore de Natal do gaúcho


Quando atravessava o pampa e era menino, intrigava-me quando via uma árvore solitária no descampado. Uma única árvore em dezenas e dezenas de quilômetros de verde, uma rara árvore em hectares e hectares infinitos de campo.

Não sei ao certo o que pensava, as emoções vinham misturadas. Primeiro, havia uma curiosidade: como ela nasceu sem nada ao redor, quem a plantou, que semente intrépida atravessou as coxilhas por um pouco de céu? Parecia plantada por Deus, por mãos hábeis do sobrenatural, convertendo o fim do mundo em outro início.

Depois, ela me transmitia uma melancolia, aquela árvore não tinha amigos para conversar, não contava com nenhum galho próximo para dar as mãos e fazer sinfonia, não dispunha de um semelhante para exercitar a sua linguagem. Valia-se do dialeto dos pássaros na hora de se comunicar com a vida, pois só eles a visitavam.

A compaixão encharcava os meus olhos e boca. Crescera órfã, sem pai e sem mãe por perto, ocupando o seu horizonte com bois e cavalos. Deveria ser difícil não pertencer a um bosque ou a uma turma de iguais, até para se proteger, até para ganhar colo no cansaço. Não havia nenhuma criança acessível e fácil para transformá-la em escada e mirante, nenhum peão para oferecer sombra.

Em seguida, ela me passava coragem. Uma valentia de estar sozinha na tempestade e nos ventos, obrigada a se segurar e se cuidar nos reveses do tempo. Não podia pedir socorro, bastava-se com as próprias raízes. Admirava, então, a sua independência de não depender de ninguém para ser tão bonita e frondosa. Exalava uma confiança impenetrável.

Mais adiante nas ideias, compreendia a sua generosidade, ela servia de referência aos moradores das redondezas, de cartão-ponto aos lavradores, que não se viam perdidos quando a encontravam pelo caminho.

Trabalhava, de noite, na função de bússola no mar de estrelas, apontando os seus ponteiros de madeira, e, de dia, influenciava as coordenadas dos viajantes, tal farol circular com a sua luz verde.

Desde piá, eu me percebia representado por ela, que traduzia todos os meus sentimentos por ter nascido no Estado: a solidão, a melancolia, a coragem e a solidariedade. Somos exatamente esse milagre de obstinação e força de vontade.

Tanto que acredito que a árvore de Natal do gaúcho não seja o pinheiro, mas a figueira. Porque, contra tudo e contra todos, ela se levanta para o Sol e para a Lua. Seu isolamento geográfico não a intimida, pelo contrário, a inspira a subir mais alto, a provar a sua força, quase tocando as nuvens, uma bandeira vitalícia, para ser vista de longe, para que uma criança como eu nunca se veja abandonada pelo destino.

CARPINEJAR

24 DE DEZEMBRO DE 2018
CLÓVIS MALTA

Natal para todos

Que bom e estranho seria se esse espírito do bem chamado de Natal baixasse sobre todas as pessoas, no planeta inteiro, poderoso como o das forças da natureza num terreiro de candomblé. Não importa sobre quem, se é cristão, ou ateu, ou nada, não interessa a crença, nem se as pessoas a têm ou não, nem o nome das pessoas, nem a cor, nem as escolhas, desde que estejam todas se sentindo livres e às voltas com uns desejos saudavelmente malucos. Umas vontades que, sob o clima de final de ano, nos deixam pensando se não seria possível realizá-las, por que não?, pois, se ficarem para mais adiante, talvez nem dê tempo.

Por exemplo: ir até uma praia distante, no Guaíba mesmo. Ficar mirando-a por um tempo, até constatar que o lago/rio, por ordem alfabética, para não abrirmos discussão com a galera, é lindo. E apreciar a vista.

Talvez andar pelas ruas, pelo prazer de andar. Parar sob uma árvore e prestar atenção no canto das cigarras. Pensar, por exemplo, em tudo o que se vai dispensar no mundo quando a tecnologia conseguir reproduzir esse e outros sons de forma idêntica.

Se possível, andar um pouco mais, muito, nem que seja só mentalmente, como quem caminha sobre um mapa imaginário. Andar porque só andando, não importa como, se percebe nos detalhes a beleza do mundo.

Se tiver dinheiro, tomar sorvete, comer pipoca. Tomar um ônibus urbano, sem perguntar qual, e se deixar levar pela cidade, pela vida, pelos bairros elegantes, pela periferia tão descuidada, pelos campos com esses morros de cumes arredondados. Entender que a paisagem tem tudo a ver com a dos nossos cadernos de infância. Demonstrar gratidão por isso.

Se puder, andar, amar, andar. Andar sem se deixar levar pelos pensamentos, apenas permitindo que passem como nuvens ralas.

Andar, refletir, meditar, rezar, agradecer pelas pessoas, por você, por nós, por todos, pelas oportunidades que esta existência nos dá. Ser simples, mas tão simples na busca do realmente essencial, que nem precisa dizer, pois todos vão notar.

Clamar por mais respeito aos seres, todos os seres. Pensar no sofrimento daquele homem tão sereno na cruz, no negrinho do pastoreio sendo consumido pelo formigueiro. Só para não perdermos a dimensão de até onde pode ir o horror humano.

Imaginar que os dois, o da cruz e o do formigueiro, foram bebês formosos como o da manjedoura.

Perceber que há algo igual e comum a todos, que tudo nos conecta, até a mente, até esse clima natalino, mesmo entre quem não consegue ter fé, mas então passa a conseguir, e a sentir, a fé. Pois acabou de descobri-la ali onde esteve o tempo todo, essa fé, como num milagre.

E, aí, tente imaginar o mundo inteiro nas ruas, defendendo a fraternidade. Mentalize isso, para que aconteça. Gente de todo lado possuída por esse espírito forte como Exu, com a bandeira do Natal. Do Natal que é amor pleno, sem discriminações, pois apenas acolhe, abre os braços e diz: vem.

Natal para todos.

CLÓVIS MALTA

22 DE DEZEMBRO DE 2018
ANA CARDOSO

Sejamos cadelas

Calma, calma leitora. Não é nada disso que você está pensando. O que vou sugerir neste singelo texto de fim de ano é que a gente siga mais nossos instintos em 2019, como a protagonista desta história, a cadela Raia.

É sabido que alguns animais têm inteligência emocional superior à nossa. Você certamente já observou que os pássaros voam para longe antes da tempestade, que as abelhas fogem dos venenos e que os gatos evitam ao máximo quem não gosta deles.

Há alguns Natais, em Eldorado do Sul, a pastora alemã Raia deu à luz 10 cãezinhos. Não sei quantas tetas tem uma cadela, mas 10 filhos é muita coisa para um mamífero. A bichinha não tinha sossego. Estava magra, esgotada.

Uma semana depois do parto, pela manhã, a dona encontrou Raia com apenas cinco filhotes. Onde estariam os outros? Adriana acordou o marido Rui e saíram a procurar o restante da prole pelo sítio. Depois de muito andarem, acharam um buraco, não muito profundo, a 500 metros da casa, com os outros cachorrinhos dentro.

Estavam vivos e chorando. Os humanos pegaram os cães e os levaram de volta para a casinha da cadela. Raia não demonstrou estar contente, mas os aceitou. No meio da tarde, Adriana foi conferir se estava tudo em ordem e PLUFT!, cinco cachorrinhos haviam sumido novamente.

Desta vez, já sabiam o caminho. Trouxeram de volta os filhotes. Raia não deu a mínima. Que raios estava acontecendo ali? Será que a cadela não queria os filhos? No meio da noite, Adriana acordou assustada. Levantou, e suas suspeitas se confirmaram: apenas metade deles estava na casinha, com a mãe. Adriana, no meio da madrugada, deu-se por vencida e não foi buscar os demais.

Adriana nem dormiu direito. No dia seguinte, encontrou, na casinha, apenas os filhotes "escolhidos", que dormiam e grunhiam, tão pequenos que nem sabiam latir. Temendo que a cadela houvesse fugido - era só que o faltava nessa esdrúxula novela canina - Adriana correu para o buraco. Lá estavam Raia e seus outros cinco filhos.

Então a humana, que é uma psicóloga renomada, entendeu a lógica da cadela. Do alto de sua sabedoria canina, Raia havia separado os filhos em dois grupos para dar conta melhor da família. Quantas vezes, nós humanos, queremos abraçar o mundo de uma só vez e falhamos? Que tal compartimentarmos nossos deveres e nos concentrarmos no que conseguimos fazer, respeitarmos nossos limites ao invés de querer criar 10 filhos ao mesmo tempo, o tempo todo?

ANA CARDOSO

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018


05 DE DEZEMBRO DE 2018
INDICADORES

O síndico e a lua de mel

Os últimos anos da economia brasileira são para serem esquecidos por seus resultados, porém não pelos aprendizados que devemos fazer sempre com nossos erros. Nunca é demais comparar o país com um grande condomínio onde, ao final, a conta será distribuída entre os condôminos.

Para ficar no exemplo de um condomínio, imagine o seu, onde o síndico tem plena liberdade para gastar o que bem entender e, ao final de cada mês, lhe apresenta uma conta crescente. Chegará o momento em que o síndico terá que ser destituído, porém as contas ficarão.

Nos últimos anos, fomos administrados por síndicos perdulários que nos legaram anos difíceis pela frente até que o novo responsável equilibre as contas. Cortes de gastos terão que ser feitos até que receitas e despesas se equilibrem. Os síndicos anteriores tinham por hábito aumentar as despesas e, depois, ampliar suas receitas, via impostos. Hoje, os condôminos não têm capacidade de pagar mais, fruto da recessão e do desemprego.

Síndicos responsáveis também sabem que não adianta vender bens dos condôminos e continuar gastando mais do que esses podem pagar; em um primeiro momento até engana, porém mascara e posterga um enfrentamento real.

Hoje, temos uma mensagem correta de encerramento do ciclo de expansão do gasto público e busca de um equilíbrio fiscal permanente, difícil, e uma arrecadação vitimada pela recessão.

Se o equilíbrio fiscal é clara obrigação, o processo de privatizações é mais complexo do que parece. A extinção ou venda de estatais deficitárias e sem função social ou econômica e que dependem de recursos públicos se justifica; mas também não valerão muito quando vendidas. Porém, existem outras, lucrativas e com função social ou econômica, que poderão ser privatizadas e são as que podem valer; estas terão que ser bem discutidas.

Nos próximos meses, teremos uma lua de mel entre o novo presidente e a sociedade, fruto de uma percepção de melhor responsabilidade com o gasto público. Porém, um dia, a lua de mel terminará e a vida seguirá. Antes da lua de mel, temos boas notícias para a economia, como um câmbio e uma inflação comportados, os juros em baixa e a bolsa de valores batendo recordes. Voltamos a crescer.

Até quando irá esta lua de mel? Pedra de toque será a aprovação da reforma da Previdência, sem a qual a conta fiscal não fechará. Seu encaminhamento precisará ser feito ainda no primeiro semestre de 2019, sem o que os indicadores econômicos poderão ser comprometidos e correremos o risco de uma frustração das expectativas.

Ricardo Hingel escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias-RICARDO HINGEL