sábado, 9 de março de 2019


Nudez em apartamento
Por Thais Matuzaki - 01/03/19 12:57 - Atualizado há 23 h

Andar "nu" pelo apartamento à vista de vizinhos ou transeuntes é crime?

Pois é, recentemente fomos consultados sobre tal fato. O morador em questão tem o hábito de caminhar e realizar afazeres domésticos, nu, sem roupas, como veio ao mundo e, vizinhos incomodados com a prática um tanto quanto incomum, reclamaram da postura digamos “naturalista” do morador para a direção do condomínio, que, por sua vez, trouxe a questão a nossa apreciação. Vejamos.

O crime em tese seria o "ato obsceno", tipificado no artigo 233 do Código Penal:

"Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa."

Como se vê, a pena em si é pequena: detenção de três meses a um ano OU multa que, no geral, é o que ocorre! São os chamados crimes de menor potencial ofensivo, na prática, julgados pelo Jecrim (Juizados Especiais Criminais, artigo 61 da Lei 9099/95).  

Mais ainda, há uma discussão no STF (Superior Tribunal de Justiça), Recurso Extraordinário nº 1093553, sobre a constitucionalidade do artigo de lei, pois, justamente por sua falta de objetividade, dando margem a infinitas interpretações do que poderia ser considerado “ato obsceno”, fere o preceito a chamada “reserva legal” (Art. 5º, XXXIX, da CF), por tal princípio, nenhum fato pode ser considerado crime se não existir uma lei que o enquadre no adjetivo “criminal”. E nenhuma pena pode ser aplicada se não houver sanção preexistente e correspondente ao fato.

O Princípio da Legalidade constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais.

Ocorre que para a conduta ser considerada “criminosa”, segundo a jurisprudência de nossos Tribunais deve haver o "dolo" do agente, ou seja, quem pratica o ato necessariamente tem a intenção de causar constrangimento, vexamento e indignação; do contrário, a conduta é atípica.

Nesse sentido:

“O ATO OBSCENO. ARTIGO 233, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA CONFIRMADA. O delito de ato obsceno em lugar público, previsto no art. 233, do Código Penal, exige que o ato seja praticado em lugar público ou aberto ao público, ou ainda, exposto ao público. No caso o réu estava em uma casa e somente foi visto porque próximo à janela, não se configurando o delito. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Crime Nº 71001542018, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Alberto Delgado Neto, Julgado em 14/04/2008)”

Desta forma ausente o “animus” de ofender, provocar repulsa, escárnio, constranger quem quer que seja e que possa visualizar a nudez, não está presente o dolo na equação, a carrear “crime” a conduta praticada.

O que sugerimos em uma situação como esta é que o vizinho ou qualquer outro que se sinta ofendido converse pessoalmente com o morador em questão, explicando seu constrangimento e motivações da reclamação, rogando que passe a ter postura, digamos, mais comedida e socialmente aceita.

Caso essa medida não surta o efeito desejado, ele, o incomodado com a nudez, pode procurar o judiciário, buscando a medida jurídica que entender cabível sem, contudo, envolver necessariamente o condomínio. Trata-se de questão entre vizinhos e suas respectivas suscetibilidades.

A verdade é nua e crua, em se tratando de nudez restrita ao apartamento, não necessariamente, o título da peça teatral (1965) de Nelson Rodrigues teria aplicação: “Toda nudez será castigada”.


*Alexandre Marques é consultor e advogado militante na área condominial;especialista em Direito Imobiliário; vice-presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB-SP; Membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP; Conferencista da OAB/SP; coautor do Audiolivro: “Tudo o que você precisa ouvir sobre Locação” (Editora Saraiva) e Autor do livro “Legislação Condominial: aplicação prática”; colunista do “Sindiconet”; articulista dos programas “Metrópole Imobiliário” da Rádio Metrópole FM; “Edifício Legal” da rádio CBN-RO , “A hora do povo” da rádio Capital-SP e “Dito e Feito” da Rádio Nacional; sócio-diretor da Alexandre Marques Sociedade de Advogados.

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