terça-feira, 19 de novembro de 2019



Edifícios verticais

Campo Grande se aproxima dos 2 mil prédios
terça-feira, 19 de novembro de 2019

Em “caminho sem volta” para o alto, Capital se aproxima dos mil prédios. Poder público e iniciativa privada projetam ocupação do Centro com construção de imóveis verticais

Em 1939, a melhor panorâmica de Campo Grande era do alto dos três pavimentos do Edifício José Abrão, cuja fachada Art déco em vermelho desgastado ainda resiste na esquina da Rua 14 de Julho com a Cândido Mariano, no Centro. Conhecido como Hotel Americano, a construção marcou o início do processo de verticalização da cidade.

Passados 80 anos, a Capital se aproxima da marca de mil prédios. Na visão de atores envolvidos com os segmentos de habitação e construção, o município percorre “caminho sem volta” para o alto.

Números fornecidos pela Semadur (Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Gestão Urbana) apontam a emissão de 48 alvarás para edificação de imóveis verticais multi residenciais com mais de 100 unidades, de 2014 até 2019.

Já levantamento do Observatório de Arquitetura e Urbanismo da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) contabilizou, até 2015, 911 imóveis verticais com mais de três pavimentos em Campo Grande. Do total, 198 têm mais de 11 andares e 50 deles ultrapassam os 20 andares.

Em estudo de densidade, verticalidade e sustentabilidade da Capital, o Observatório relembra a revisão da lei de ordenamento do uso e ocupação do solo da cidade, que, em 1987, estimulou o crescimento para cima. Espaços próximos ao centro e em direção ao leste, na região do bairro Amambaí, foram eleitos como propícios para a construção de prédios.

A pesquisa indica que o polígono desenhado entre Avenida Afonso Pena, Rua Ceará, Avenida Mato Grosso e os limites do Córrego Prosa é o que comporta maior número de imóveis verticais, com 35 - todos com mais de seis pavimentos.

A verticalidade se consolidou nas décadas seguintes e foi estendida para novas regiões. A partir de 1996, com edição do Plano Diretor, os edifícios passam a fazer parte do “tecido urbano” de zonas mais centrais, conforme continua estudo do Observatório.

O novo Plano Diretor, instituído em dezembro de 2018, estimula o que o secretário municipal de Meio Ambiente e Gestão Urbana, Luís Eduardo Costa, chama de adensamento.

“Temos uma cidade muito grande, de 35 mil hectares, e isso tem um custo. Uma das diretrizes do Plano Diretor é aproveitar a infraestrutura que já existe - de drenagem, iluminação, esgotamento e mobilidade - para permitir a verticalização. Todas as cidades modernas hoje têm olhado para isso”, cita.

Conforme o titular da Semadur, bairros como Amambaí, Centro, Jardim dos Estados, Monte Líbano, Itanhangá e Vila Carvalho reúnem estes requisitos que possibilitam investimentos para a verticalização.

Somente este ano, a Planurb (Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano) avalia cinco EIVs (Estudos de Impacto de Vizinhança) de projetos habitacionais multi residenciais. Este tipo de processo é exigido para aprovação de empreendimentos de grande porte, como são os imóveis verticais.


Construção



Para o presidente do Sinduscon/MS (Sindicato Intermunicipal da Indústria da Construção do Estado de Mato Grosso do Sul), Amarildo Miranda Melo, o segmento tem se recuperado de forma “lenta e gradual”, mas segue a tendência de verticalização da cidade.


“É um caminho sem volta. Qualquer pessoa que tenha o mínimo de raciocínio sabe que quanto mais espraiada, mais caro é o custo da cidade, ao contrário de uma cidade compacta”, acredita.

O representante do setor abre discussão sobre o acesso aos imóveis verticais, o que, para ele, depende da retomada da economia. “A verticalização, em qualquer país, atende todas as classes sociais. No Brasil não acontece porque a economia anda ruim. Se a economia está forte em todas as faixas, vai ter gente construindo em todas as faixas”.

A incorporadora HVM é uma das empresas que têm apostado no crescimento para o alto da Capital, com empreendimento de 35 andares na região central. O diretor executivo, Rodolfo Luiz Holsback, crê que o processo, principalmente no Centro, configura um “caminho mais racional”.

“Existem iniciativas de empresas em fazer condomínios mais afastados, que trazem conforto para a família, mas têm o acesso um pouco mais complicado. A cidade ainda é pouco verticalizada e tem espaço para crescer nesse sentido”, crê.

O empresário lista segurança, comunidade, conveniência e compartilhamento como fatores que levam pessoas a procurar por apartamentos em edifícios na região central. Por consequência, os mesmos motivos movem a incorporadora a investir no ramo.

Também entusiasta da verticalização da moradia no Centro, o presidente do Secovi-MS (Sindicato da Habitação de Mato Grosso do Sul), Marcos Augusto Netto, pontua a mobilidade como mais uma vantagem. “Geralmente é onde as pessoas trabalham. Não vão precisar ficar se deslocando para um lado e para o outro”.

“O campo-grandense sempre gostou de casa, por isso a cidade é tão espraiada, mas resolver esse excesso de espraiamento é um processo lento. Os objetivos traçados no novo Plano Diretor devem ser atingidos nos próximos 20, 30 anos”, segue Netto.

Cautela


Em meio aos incentivos para ocupação do Centro via verticalização, a professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMS, Maria Lucia Torrecilha, alerta para que os empreendimentos sejam feitos sem danos à cidade e seu patrimônio histórico.


“Existem áreas com infraestrutura adequada, mas não se pode subir aos céus de forma indiscriminada. No Centro você tem muitos prédios tombados. Você não pode ofuscar esses lugares. É preciso observar o tipo de solo, se o terreno está próximo dos córregos, observar o respeito à vizinhança. Edifícios muito altos podem não trazer benefícios ao sistema viário, provocar esgotamento do trânsito. Deve-se olhar com muito cuidado, observar o pedestre”, analisa.

Questionada sobre a viabilidade de aliar verticalização ao acesso à moradia e redução do deficit habitacional, Maria Lucia mostrou apoio à retomada da ocupação de edifícios abandonados como o Hotel Campo Grande, local que a prefeitura articula para transformar em moradia popular.

“Você só dá vitalidade se ocupar esses edifícios adequadamente. Só anima o Centro com pessoas. Sou totalmente a favor, desde que com projetos técnicos adequados. Construir mais, mesmo com prédios vazios, é um contrassenso”, ressalta.

Hoje, cerca de 40 mil pessoas estão na fila da Emha (Agência Municipal de Habitação).

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